Qualquer mulher já esbarrou em
um ou n’outro. E sim, há diferenças. Há esperanças no canalha, já o cafajeste é um mau caráter,
um caso perdido. Repare como se pronuncia ca-na-lha. É sexy, instigante.
Um secreto pedido de beijo, com todo desaforo que há nas paixões. É como
pronunciar de-lí-cia, reparem. Se ela
te chamar de ‘canalha’ garanhão, vai que é tua!
Je t’aime moi non plus.
Je t’aime moi non plus.
O canalha é um maravilhoso filho da
puta. É o cara que lamenta não se apaixonar. Está cansado da sua reputação. O cafajeste
é um porco chauvinista, um escroto de índole aproveitadora. O canalha diz a que
veio, o cafajeste jamais virá. O cafajeste não presta nem pra ser canalha. É um
desgraçado bom de lábia, que depois te faz chorar Rios Nilos inteiros. Já conheci
as duas espécies. São as novas pragas do século XX. Vamos ao que interessa.
Há uns 2 anos eu me apaixonei por um
cara que se encaixava nos meus sonhos dourados. Tinha uma mente ácida, vívida, perfeita para marias-cérebros como eu. Na época, ele sonhava em ser assessor político. Falava
sobre tudo. Homens que discutem guerras, política, sexo e cinema não aparecem
que nem mamão de feira, são como bilhetes premiados. Então, vez em
nunca, quando surgem, eu sou toda dedicação. Maaass... paixões avassaladoras costumam
nos deixar cegas. E ninguém confere ficha criminal antes de se envolver, né? É fatal
e fatídico. Eu achava que era só um canalha, era um tremendo cafajeste.
Eu não sei qualé o seu problema,
donzela. Se teu carinha te traiu com tua melhor amiga. Se de repente, vc
descobriu que ele gosta mesmo é de dar o cu. Se ele roubava dinheiro da sua
carteira. Eu não sei. O cafa em questão não era nada disso. Sequer era meu. Conhecíamo-nos
há um bom tempo, mas éramos só ‘amigos coloridos’ de internet. Não pretendia
ter filhinhos com ele, mas achava que COMIGO, podia ser diferente. Mal sabia
eu, que o coração dele saíra congelado de um isopor de cervejas baratas. Mal sabia
que aquele roteiro ele já havia ensaiado 9898786 de vezes.
Nosso primeiro encontro na vida real
foi numa sala de cinema. Era época do Ciclo Folha de Jornalismo. Rodava um
filme sobre jornalismo, ao final, alguém do jornal discutia o tema da película.
Ouvimos interessados e passamos quase 3 horas sem trocar nenhuma palavra. Até
que a sessão acabou e fomos a um boteco. Pronto. Foi o bastante. Ele era desses
caras com quem vc conversa hoooooras na mesa do bar, sobre os 7 assuntos mais
interessantes do planeta. Por ele, eu era toda admiração.
No ano anterior minha vó havia falecido
e minha mãe se curava de um câncer. Fragilidade em alta. Esperei tudo
normalizar até vir morar em SP. Ele se disse orgulhoso pela minha coragem em ‘abandonar
uma vida, começar outra do zero’. Disse adorar minha origem. E eu muito prezo
homens que me valorizam pela minha origem ou pela minha força, sabe?
Ponto fraco. E ponto pra ele.
Então veio o beijo. Deu ódio ver que o
beijo dele era o melhor do mundo naquele instante. Ódio mortal. Daí ele
disparou: ‘Minha casa ou a sua?’. Estava claro nas entrelinhas: ‘É só sexo,
querida. Não se apaixone por mim’. Mas eu estava disposta a comprar briga. E
não houve sexo. Porque eu era insegura e me precupava com o que ele ia pensar e
mimimi. E ele falava mil segredos de liquidificador no meu ouvido pra tentar me
convencer, 9897654 de coisas lindas, que agora eu não lembro mais. Mandava
flores de plástico. Jogava pesado. Eu resisti bravamente e ele virou pó. Claro,
ainda estava presente na minha vida virtual. Mas daquele dia em diante, recusava
TODOS os meus convites pra sair.
Aí desisti. Mas pensava nele as
24598875 horas do dia. Fiquei obcecada em encontrá-lo pela rua. Diria Samuel
Rosa, ‘não sei porque nessas esquinas vejo teu olhar...’. Até que resolvi:
tinha de matá-lo ou enlouqueceria. Precisava OUVIR que ele não me queria e todas as coisas lindas que me disse eram contos da carochinha. Mulher obcecada
tem dessas coisas, colega. A gente se pergunta porque o cara não quer, se somos
tão perfeitinhas. Ou o que fulana tem que vc não. Coisas de ego filho da puta
de traiçoeiro. Daí a gente precisa de um xeque-mate. Uma espécie de despedida.
Eu sou assim: abriu a porta baby, feche-a de volta. Para que eu possa jazer
em paz. Não era crime não me querer, crime era não verbalizar isso.
Então cometi a maior loucura do mundo.
Coisa que se faz apenas uma vez na vida. Atenção, a seguir, registro de cenas
fortes. Os fracos de estômago e fortes de moralismos, podem parar por aqui.
Saí de casa decidida. Pus um vestido
preto justo até os joelhos. Escarpin bege, batom vermelho. Estava bonita mesmo,
juro pra vc. E fui até a casa dele. Em São Paulo, isso significa uma odisséia. Era
noite e eu não sabia o número do apartamento no condomínio, mas descobri. Ele
desceu sem saber que eu o esperava. Quando me viu, falou: ‘Você?’. E eu pude
ouvir o som alto das minhas batidas cardíacas. Parecia escola de samba. Parecia
novela.
Então falei tudo que eu sentia por ele
aquele tempo todo. Não disse em claro português ‘estou apaixonadinha por vc’.
Mas ele entendeu, com aquela cara de quem estava me achando uma louca por estar
ali.
- Preciso que vc me diga que não me deseja. Porque eu preciso
queimar essa idealização que eu tenho de vc há muito tempo.
- Não era óbvio? Foi só aquela noite, Flávia.
- Não era, não. Mas eu precisava ouvir.
- Aliás, vc deu sorte de’u estar em casa hoje. Se eu não
estivesse, vc ia ficar aqui plantada, esperando?
Levantei para ir embora e me inclinei
para dar um beijo nele de despedida. O rapaz virou o rosto. Aí eu percebi que
ele não havia entendido nada. Achou que eu estava ali por ele, infantil como ‘Ivo
viu a Uva’. Tsc, tsc... Eu estava ali POR MIM. Porque estava sofrendo com
aquele auto-flagelo. Paradoxalmente, precisava dele para esquecer dele. Beber
de todo o veneno, para morrer de súbito e renascer uma Fênix. Doses cavalares
daquele crápula.
Quando cheguei em casa, percebi que ele
havia me excluído completamente da vida virtual. No twitter, registrou: ‘Como
tem gente louca neste mundo, não?’. Perdeu-se na própria vaidade e viajou que’u
ia persegui-lo com uma Pexeira cidade afora. Aí posou de fodão, era fácil
chutar cachorro morto, afinal. Coisa de moleque. No fim, eu devo ter virado
lenda urbana nas conversas de bar entre os amigos.
O engraçado é que tudo isso ajudou. Sem
notícias, foi fácil esquecê-lo. Ele finalmente virou um abajur de sala e eu
continuei passional. Passional E sóbria. Continuei sendo daquelas que lambe a
tampa do iogurte pra não desperdiçar nenhum resto da manhã.
Mas a vida é irônica. Muito tempo
depois, conheci um homem muito parecido com este rapaz. Só que HOMEM. Maduro,
sensato. No games, no pain. Achei que estava recebendo uma segunda chance, numa
versão melhorada. Para este eu dei meu sexo como se não houvesse outra chance
de ser feliz. Quiçá, meus olhares silenciosos, meus suspiros. E não me
arrependo. Deste, eu me despediria até o fim dos tempos. Só porque antes de sumir
do mapa, ele me disse adeus. Abriu a porta, fechou ele mesmo. Não foi
cafajeste, foi um canalha. Um doce canalha.
Sawyer: O adorável canalha
Então, meninos, às vezes é mais fácil
verbalizar um fora, mas não precisa ser escrotinho e achar que vc é a última
Coca-Cola do deserto. Meninas são mulheres, mulheres são meninas, mas isso só dura um verão.
Às donzelas, pelo amor de Jesus Cristinho, NÃO FAÇAM isso que eu fiz em casa, ok? Ato impensado, nenhum babaca merece este tipo de loucura. Mas valeu a pena. Como tudo vale, diria Fernando Pessoa, quando a alma não é pequena. E bom, se depois da minha tragédia shakesperiana vc não desejar um cara legal, está configurada aí uma doença crônica, por supuesto.
Às donzelas, pelo amor de Jesus Cristinho, NÃO FAÇAM isso que eu fiz em casa, ok? Ato impensado, nenhum babaca merece este tipo de loucura. Mas valeu a pena. Como tudo vale, diria Fernando Pessoa, quando a alma não é pequena. E bom, se depois da minha tragédia shakesperiana vc não desejar um cara legal, está configurada aí uma doença crônica, por supuesto.