quinta-feira, 28 de abril de 2011

ADEUS, MON AMOUR!




Houve um tempo em que os homens deixavam suas mulheres para se tornar heróis de guerra. Mil vezes o último beijo e a última noite de amor antes de partir. Acredite, colega: bons eram ESSES tempos. Hoje ninguém sabe dizer ‘adeus’. É foda o abandono. Do outro e do que vc gostava de ser com o outro. Fotos queimadas, chaves devolvidas, coração em arquivos. No fim, a gente sempre lembra do começo.


Trocada por outra, pelo bar, pelo cigarro, pela vida. Sorte seria apenas dor de cotovelo. Na verdade, o corpo inteiro dói na falta. E, se Deus for justo e se o universo conspirar a favor, ele volta pra vc. Ele fica com vc. ‘Pense em mim, chore por mim, liga pra mim’. Uma pena de si mesma, uma pena do futuro sem o amado.


Não se vê sem ele porque, na verdade, nunca se viu sozinha. Não sabe como é contar os passos com a solidão. Não sabe, não sabe. ‘E agora, quem poderá me defender?’. Vc virou uma donzela. Brada respeito lá fora, mendiga amor em casa. E te falam: ‘Amiga, não chore. Olhe, virá outro amor. Nada melhor para esquecer ESTE amor’. O escambal o outro amor! Pro inferno o outro amor! Que outro amor, se só conheço um?? Chore, chore mesmo. Todas as pitangas. Chore de se exaurir. Viva todos os be-a-bás do abandono. Da saudade, da dor. Depois há de se tornar uma She-Ha com milhares de Poderes de Greyskull, juro pra vc.

Um dia eu conheci um moço que morava longe. E eu achava que era um canalha qualquer, como todos os outros. A conversa rendeu mesmo assim, tímidos, nervosos, sem nenhuma intenção de impressionar. Apenas ali. Chamávamo-nos por condinomes, pseudônimos, apelidos carinhosos. Éramos secretos, discretos.

Eu vivia me boicotando nessa busca que a humanidade tem pelo amor. Desacredito piamente e, como boa leonina/escorpiniana, sigo incrédula. E aí o rapaz me apareceu com essa de desafiar as leis da física. Parecia encomendado. ‘Vc é linda’, ele dizia. Não assim, como se vê nos filmes ou nas novelas, com a banalidade do hábito. Não. ‘Vc é linda, mais que demais. Vc é linda, sim’, como Caetano. Caetanizando. Caetanizou-me.

E foi assim, tudo lindo mesmo. Por dentro, por fora, por cima, por trás. Cheiro de Gim. De sexo e de drogas. De amor inventado, de dor gostosa. Olho no olho, dente no dente, boca na boca. Mãos, pele, cada pedaço de língua e de saliva.

Não era apenas um quarto de motel. Era no meio da ladeira, no Corcovado, no Planalto Central. Ele pedia um cigarro, eu pedia um café. Estávamos ali, conversando sobre o quão difícil era ser o que éramos. Estávamos em silêncio e estávamos à vontade.

Então ele se foi, como todos os outros. Precisava voltar para sua vida. ‘Adeus, mon amour!’. Aí ele se recusou a dizer adeus. Recusou-se a morrer como todos os rapazes daquele bucólico bairro de Londres. Era um Highlander entre a espécie.

E eu não soube me despedir. Visto-me de várias só pra não ter de me despedir. Porque desde então, ele renasce todos os dias de uma saudade longa, quase dilacerante. ‘Não se vá, não me abandone, por favor...’. E o amor é brega, senhoras e senhores. Um brinde e um desgosto:

‘Dizer adeus é uma dor tão doce, que’u passaria a te dizer boa-noite até o raiar do dia...’
(William Shakespeare – Romeu & Julieta)

Agora somos livro sem final, cheque em branco. Seremos para sempre aqueles que poderiam ter sido. Enterrados vivos e constrangidos, antes de conhecer os hábitos e o triste reco-reco da rotina.

O rapaz foi a alma de todos aqueles que me abandonaram. Trocada por uma partida de pôker, por um round de luta livre, por uma viagem ao Leste Europeu, por uma ex-namorada maluca, por uma amante ninfomaníaca e todos esses personagens que a vida traz e o tempo leva.

Minhas condolências aos desamores, pois. Vocês foram ótimos, mas partiram antes de saber que eu sei misturar geléias, que eu olho nos olhos, que meu corpo samba Bossa, que meus seios são feito manga com gosto de pêra.   

Mas agora, que as palavras os transformem em pó. E me ajudem a não amanhecer feito pão dormido. Good Bye, Lenin! Good Morning, America!

quarta-feira, 13 de abril de 2011

MADALENA É



De Madalena, só tinha o nome. Não chorava, mal sorria, não sofria, não era santa, nunca passou fome. Às vezes, não usava pintura alguma e noutras, seus lábios eram de um carmim inconfundível. No corpo mignon trazia um vestido de chita tão sem graça, que era quase impossível diagnosticar de onde vinha aquele fogaréu dos olhos grandes e castanhos. 

Acordava de camisola, ficava assim a tarde inteira, olhando pro teto, caçando letrinhas. Depois organizava tudo na ‘cachola’. Quando resolvia levantar, era pra comer um miojo e depois contar, toda lamentosa, que só comeu miojo.  Seu apartamento parecia um museu: vitrolas, radiolas, vinis, máquina de escrever. Elvis, Marilyn, Janis, James Dean, todos juntos e envidraçados no longo corredor. Tinha 160 anos, mas parecia 22.

Madalena queria era ser professora só pra poder usar óculos como se fosse enfeite, como se fosse adjetivo, como se fosse a representação mais literal da sua inocência. Mas, de repente, lembrou que era viciada em palavrão e pornografia. E também em palavrinhas, neologismos e sotaques que saía falando a esmo, tão acima dos reles mortais, tão despretenciosamente acima da vãs inquietações humanas. Falava bem português, mas falava inglês sem saber verbos irregulares. Falava sobre política e futebol como se o presente fosse passado e vice-versa.

Madalena achava que o tempo não passava. Aí anotava tudo em papeizinhos miúdos, em letras criptográficas, pra passar a limpo depois. Anotava sentenças herméticas de batom nos espelhos de casa para não esquecer. Madalena esquecia de tudo que fazia hoje e seus pertences nos lugares que visitava. E não tinha pressa nunca. Quando chovia, andava devagar e chegava em casa ensopada.


Telefonava para o broto, estendida no chão frio. E dizia que trocaria de vida com o rapaz. Fácil. ‘A vida seria mais bela com um pinto no meio das coxas, né?’. Porque queria andar sozinha na rua de madrugada, porque queria arrancar a blusa quando seu time fizesse um gol, porque queria comer todas-as-menininhas-e-não-sair-falada, porque queria fazer xixi em pé. ‘Pô, seria massa!!’.

Madalena era sinesteta. Ia pra varanda, fumava um maço de cigarro e pensava em coisas brancas, pretas, azuis, vermelhas, amarelas. Sua vó era rosa com marrom. Sua mãe era lilás e o homem que mais amou na vida era azul com vermelho. Aliás, feio. Madalena achava muito bonito um homem muito feio. Sean Penn, Benicio Del Toro, Adrien Brody.   

Ia ao cinema sozinha esperar um príncipe encantado. Ia pra balada, bebia 3 mojitos, 2 tequilas e dava vexame modelo grande, ria à toa, falava alto. Estudou Ballet, não tinha vocação e desistiu, mas ainda trazia aquele típico ar blasé. Estudou teatro, até tinha algum talento, mas também desistiu. Ficou no jornalismo e tava sempre querendo desistir.

Remoía as perdas e traições no escuro da sacada, sem contar a ninguém. Amanhecia chorando, anoitecia dançando.  Manchava a blusa branca, expulsava o cheiro de Vanilla.

Adorava os filmes de terror e os de zumbi, mas tinha horror a gente morta, histórias de espírito, ladrão em casa, baratas e à sua própria ansiedade. Tinha dó do mendigo estendido no chão com um cachorro encardido. Aí ofereceu uma lata de sardinha ao pobre homem.

Madalena se fazia de tonta, de sonsa, de louca, de morta. Perambulava segredosa em todos os mundos, em todas as tribos.  Não era unanimidade, nem queria ser. Era toda madura naquela pretensão de quem nada ouve, nada fala, nada vê. Aliás, crer sem ver. Adorava o impossível e aquele cara que andava sob as águas, transformava água em vinho, multiplicava pães e peixes. E detestava as coisas ridiculamente possíveis, na palma da sua mão.

Sobre isso, comia uma fruta verde e não jantava, desejando infinitamente um Petit Gateu. Estranha era a vida sem Petit Gateu de graça nas praças, nas lanchonetes. Estranha era Madalena, pois.

Não sabia o que seria daqui a 10, 15 anos. Não gostava de não ter patrimônio, nem legado, nem segurança. Madalena já parecia quase 30 agora e sentia o peso daquela sociedade enredada nos costumes patriarcais, de que a esta altura, ela já devida ter tudo: Uma casa, um marido, um filho, um carro e um cachorro chamado Totó. Achou que o tempo se encarregaria de mandar essas coisas triviais. Talvez não fossem assim tão triviais como julgou.

Tinha quase 30 e não tinha nada além de olheiras.