Houve um
tempo em que os homens deixavam suas mulheres para se tornar heróis de guerra.
Mil vezes o último beijo e a última noite de amor antes de partir. Acredite,
colega: bons eram ESSES tempos. Hoje ninguém sabe dizer ‘adeus’. É foda o
abandono. Do outro e do que vc gostava de ser com o outro. Fotos queimadas,
chaves devolvidas, coração em arquivos. No fim, a gente sempre lembra do
começo.
Trocada por
outra, pelo bar, pelo cigarro, pela vida. Sorte seria apenas dor de cotovelo.
Na verdade, o corpo inteiro dói na falta. E, se Deus for justo e se o universo
conspirar a favor, ele volta pra vc. Ele fica com vc. ‘Pense em mim, chore por mim, liga pra mim’. Uma pena de si mesma,
uma pena do futuro sem o amado.
Não se vê
sem ele porque, na verdade, nunca se viu sozinha. Não sabe como é contar os
passos com a solidão. Não sabe, não sabe. ‘E
agora, quem poderá me defender?’. Vc virou uma donzela. Brada respeito lá
fora, mendiga amor em casa. E te falam: ‘Amiga, não chore. Olhe, virá outro
amor. Nada melhor para esquecer ESTE amor’. O escambal o outro amor! Pro
inferno o outro amor! Que outro amor, se só conheço um?? Chore, chore mesmo.
Todas as pitangas. Chore de se exaurir. Viva todos os be-a-bás do abandono. Da
saudade, da dor. Depois há de se tornar uma She-Ha com milhares de Poderes de
Greyskull, juro pra vc.
Um dia eu
conheci um moço que morava longe. E eu achava que era um canalha qualquer, como
todos os outros. A conversa rendeu mesmo assim, tímidos, nervosos, sem nenhuma
intenção de impressionar. Apenas ali. Chamávamo-nos por condinomes,
pseudônimos, apelidos carinhosos. Éramos secretos, discretos.
Eu vivia me
boicotando nessa busca que a humanidade tem pelo amor. Desacredito piamente e,
como boa leonina/escorpiniana, sigo incrédula. E aí o rapaz me apareceu com
essa de desafiar as leis da física. Parecia encomendado. ‘Vc é linda’, ele
dizia. Não assim, como se vê nos filmes ou nas novelas, com a banalidade do hábito.
Não. ‘Vc é linda, mais que demais. Vc é
linda, sim’, como Caetano. Caetanizando. Caetanizou-me.
E foi assim,
tudo lindo mesmo. Por dentro, por fora, por cima, por trás. Cheiro de Gim. De
sexo e de drogas. De amor inventado, de dor gostosa. Olho no olho, dente no
dente, boca na boca. Mãos, pele, cada pedaço de língua e de saliva.
Não era
apenas um quarto de motel. Era no meio da ladeira, no Corcovado, no Planalto
Central. Ele pedia um cigarro, eu pedia um café. Estávamos ali, conversando
sobre o quão difícil era ser o que éramos. Estávamos em silêncio e estávamos à
vontade.
Então ele se
foi, como todos os outros. Precisava voltar para sua vida. ‘Adeus, mon amour!’.
Aí ele se recusou a dizer adeus. Recusou-se a morrer como todos os rapazes daquele
bucólico bairro de Londres. Era um Highlander entre a espécie.
E eu não soube
me despedir. Visto-me de várias só pra não ter de me despedir. Porque desde
então, ele renasce todos os dias de uma saudade longa, quase dilacerante. ‘Não se vá, não me abandone, por favor...’.
E o amor é brega, senhoras e senhores. Um brinde e um desgosto:
‘Dizer adeus
é uma dor tão doce, que’u passaria a te dizer boa-noite até o raiar do dia...’
(William
Shakespeare – Romeu & Julieta)
Agora somos
livro sem final, cheque em branco. Seremos para sempre aqueles que poderiam ter
sido. Enterrados vivos e constrangidos, antes de conhecer os hábitos e o triste
reco-reco da rotina.
O rapaz foi
a alma de todos aqueles que me abandonaram. Trocada por uma partida de pôker,
por um round de luta livre, por uma viagem ao Leste Europeu, por uma
ex-namorada maluca, por uma amante ninfomaníaca e todos esses personagens que a
vida traz e o tempo leva.
Minhas
condolências aos desamores, pois. Vocês foram ótimos, mas partiram antes de
saber que eu sei misturar geléias, que eu olho nos olhos, que meu corpo samba
Bossa, que meus seios são feito manga com gosto de pêra.
Mas agora, que
as palavras os transformem em pó. E me ajudem a não amanhecer feito pão
dormido. Good Bye, Lenin! Good Morning, America!