Você
era apenas um moço bonito que sabia cantar em inglês e queria surfar na
Califórnia. Era a única fonte de inspiração do Caê em Menino do Rio, calor que
provoca arrepio. E só. Só?
Era
um dia de chuva torrencial. Eu disse: “volta pra casa que tá chovendo”. Você
respondeu que “não, quem tá na chuva é pra se molhar” e veio. Então eu soube
que vc podia ser mais que um moço bonito que sabia falar inglês. E por mais
fechada que estivesse minha porta, vc arrombaria, chamaria os bombeiros, mas
nunca ficaria parado, conformado.
Eu
te recebi no Samba da Vila Maria, mas vc não sabia sambar. Embora quisesse
aprender. Ficou só tagarelando, o semblante sorrindo. Eu nunca sabia se vc ria
de mim ou comigo. E como vc era sexy sorrindo! Então eu ia lá, sambava e
voltava pra vc.
Vc
foi dos canalhas, o mais honesto. E eu te beijei exatamente pelo paradoxo, por
me ver na sua confusão. Quando o samba acabou, vc tinha o melhor beijo e o
melhor sexo do mundo, o mais colorido, o mais dourado de todos. Vc tinha cheiro
de oceano, de papel rasgado. Me fazia lembrar a minha cidade natal. Com vc, era tudo saudade.
Vc era livre, na praia e no espaço. Mas quando estava comigo, estava comigo. Eu era a última mulher do planeta. Me fazia sentir teu mar, quando era apenas tua onda. Vai, volta, vem, desmancha, some.
Vc era livre, na praia e no espaço. Mas quando estava comigo, estava comigo. Eu era a última mulher do planeta. Me fazia sentir teu mar, quando era apenas tua onda. Vai, volta, vem, desmancha, some.
-
Eu sinto muito, não sabia que vc era isso.
-
Isso o quê?
-
Isso tudo.
-
Deita aqui. Me conta por que vc quer voltar pro
Sertão.
-
Porque eu não pertenço mais a este lugar. E
sinto muito que vc pertença.
-
Eu não pertenço a lugar nenhum, linda.
Você
olhava nos olhos e dizia: “Quando vc for ao baile, fala comigo, é carnaval!”.
Comprometendo-se sem se comprometer. Indo e vindo. Eu não podia te ter, seria
injusto te guardar aqui. O mundo precisava te conhecer. Homens, mulheres, cidades.
Vc era um Robin Hood da planície.
Mas
tampouco podia fugir de vc, então resolvi te matar. Te ver cinza e pálido, até
perder a cor do seu pôr-do-sol. Esse texto existe antes que vc perca a importância e o
sentido. Existe pra legitimar que vc
existiu, mas agora voltaria a ser apenas o moço bonito que sabia cantar em
inglês. Existe pra me despedir.
- E se vc ficasse dessa vez?
-
Eu já saí pela porta.
-
Volte e pelo menos invente uma despedida. Vamos
fingir que tivemos uma.
(Brilho
Eterno de Uma Mente Sem Lembranças)