quarta-feira, 19 de março de 2014

MENINO DO RIO

Você era apenas um moço bonito que sabia cantar em inglês e queria surfar na Califórnia. Era a única fonte de inspiração do Caê em Menino do Rio, calor que provoca arrepio. E só. Só?

Era um dia de chuva torrencial. Eu disse: “volta pra casa que tá chovendo”. Você respondeu que “não, quem tá na chuva é pra se molhar” e veio. Então eu soube que vc podia ser mais que um moço bonito que sabia falar inglês. E por mais fechada que estivesse minha porta, vc arrombaria, chamaria os bombeiros, mas nunca ficaria parado, conformado.

Eu te recebi no Samba da Vila Maria, mas vc não sabia sambar. Embora quisesse aprender. Ficou só tagarelando, o semblante sorrindo. Eu nunca sabia se vc ria de mim ou comigo. E como vc era sexy sorrindo! Então eu ia lá, sambava e voltava pra vc.

Vc foi dos canalhas, o mais honesto. E eu te beijei exatamente pelo paradoxo, por me ver na sua confusão. Quando o samba acabou, vc tinha o melhor beijo e o melhor sexo do mundo, o mais colorido, o mais dourado de todos. Vc tinha cheiro de oceano, de papel rasgado. Me fazia lembrar a minha cidade natal. Com vc, era tudo saudade.

Vc era livre, na praia e no espaço. Mas quando estava comigo, estava comigo. Eu era a última mulher do planeta. Me fazia sentir teu mar, quando era apenas tua onda. Vai, volta, vem, desmancha, some.


-       Eu sinto muito, não sabia que vc era isso.
-       Isso o quê?
-       Isso tudo.
-       Deita aqui. Me conta por que vc quer voltar pro Sertão.
-       Porque eu não pertenço mais a este lugar. E sinto muito que vc pertença.
-       Eu não pertenço a lugar nenhum, linda.

Você olhava nos olhos e dizia: “Quando vc for ao baile, fala comigo, é carnaval!”. Comprometendo-se sem se comprometer. Indo e vindo. Eu não podia te ter, seria injusto te guardar aqui. O mundo precisava te conhecer. Homens, mulheres, cidades. Vc era um Robin Hood da planície.

Mas tampouco podia fugir de vc, então resolvi te matar. Te ver cinza e pálido, até perder a cor do seu pôr-do-sol. Esse texto existe antes que vc perca a importância e o sentido.  Existe pra legitimar que vc existiu, mas agora voltaria a ser apenas o moço bonito que sabia cantar em inglês. Existe pra me despedir.

-       E se vc ficasse dessa vez?
-       Eu já saí pela porta.
-       Volte e pelo menos invente uma despedida. Vamos fingir que tivemos uma.


(Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças)